Inverno e memória no Centro de Curitiba
A despeito de uma vida inteira vendo geada e tiritando de frio nos invernos curitibanos, dou o braço a torcer. Nos últimos dias, em especial entre a quarta e a sexta-feira passadas, fui pego sem agasalho (o que equivaleria a dizer “de calças curtas”) pela queda da temperatura e, principalmente, pelos golpes gelados de vento. Problema agravado pelo corte de cabelo “estilo Shaolin” que, desde que comecei a praticar Kung-Fu, cultivo como uma estranha espécie de voto de fé. Pois foi exatamente essa imbricação vento x corte escovinha que me levou a redescobrir duas antigas lojas curitibanas, situadas na bela região que abrange a Praça Generoso Marques e as ruas Riachuelo e Barão do Rio Branco.
Por volta das 9 horas da manhã, enquanto caminhava pelo calçadão da Rua XV (quase quebrando de tão enregelado), lembrei-me de uma loja que visitava com meu pai nos invernos de outrora. A Casa Edith, situada na Praça Generoso Marques, que, segundo a velha placa de publicidade engastada em sua fachada, vende ceroulas, pijamas e chapéus desde 1879. Respeito arqueológico.
Entrei e perguntei a uma das vendedoras se eles tinham bonés de lã, mais exatamente aqueles “de orelha”, que os últimos leiteiros-carroceiros curitibanos (pelo menos, os do Ahú) usavam nos anos 70. Ela sorriu e, em silêncio, indicou um balaio quase desaparecido em meio à multidão de velhinhos que se engalfinhavam pelo chapéu invernal mais estiloso. Mergulhei na muvuca e, em alguns instantes, fisguei um boné de lã acobreado e – aleluia – devidamente provido de orelhas. Enfiei o dito cujo na cabeça, dei uma conferida no espelho (“Ozymandias, pode ligar a máquina do tempo”) e fui para o caixa.
De volta à rua, continuei pensando no inverno. E acabei me recordando de um par de luvas de couro de meu pai, que, em guri, algumas vezes furtava para ir à escola. Lembrei-me da Alfaiataria Riachuelo, que desde pelo menos os anos 30 vende uniformes militares, cantis, cintos, roupas camufladas e, é claro, luvas de couro. Foi lá, aliás, que eu, pré-adolescente, adquiri por conta própria meu primeiro par de sapatos: coturnos que iam até os joelhos e que deixaram minha mãe (que, crente no meu juízo, havia dado o dinheiro para a compra) visivelmente desapontada. Chegando à loja, encontrei tudo como há 30 anos, talvez como há 70 – verdadeira maravilha. E saí com belas e confortáveis luvas de couro (dois pares: um para meu pai). E, veja só: louco para comprar outro par de coturnos!
(publicado na Gazeta do Povo de 09/08/2011)
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