*Francisco Cunha Souza Filho
Questão interessante surge da hipótese do casal, ainda casado legalmente, encontrar-se separado de fato, inclusive com ação de divórcio em curso, e a administração dos bens ter ficado ao encargo de apenas um deles. Seria cabível ao outro exigir prestação de contas dessa gestão patrimonial? Vejamos. Na vigência da comunhão de bens, os cônjuges entre si não se acham obrigados ao dever de prestação de contas. Uma vez dissolvida a sociedade conjugal, desaparece a comunhão universal e os bens comuns devem ser partilhados como em qualquer comunhão que se extingue. Quando presente, porém, lapso entre a dissolução da sociedade conjugal e a partilha, aquele que conservar a posse dos bens do casal estará sujeito a prestação de contas. Assim, na hipótese de ocorrer o rompimento fático da união conjugal, e um dos cônjuges ficar na condição de administrador provisório, cuidando dos interesses comuns, com a obrigação de bem gerir os interesses de ambos até a efetivação da dissolução legal da sociedade conjugal e da formalização da partilha de bens, a nosso ver cumpre-lhe prestar contas ao outro, detalhando, esclarecendo e prestando as respectivas informações quanto ao patrimônio comum. A prestação de contas visa aclarar qual o estado, em determinado momento, da conta débito e crédito entre os interessados; logo, só após prestadas as contas saber-se-á quem há de pagar e quem tem a receber. E para justificar tal pedido de prestação de contas, dispensa-se a existência de uma autorização ou mandato entre os ex-cônjuges em torno da administração do patrimônio comum. Basta um bem achar-se, temporariamente, sob administração de outrem que não o dono, para que esse tenha que dar contas da gestão eventualmente desempenhada.
Confira-se a seguinte decisão:
"PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS AJUIZADA PELA EX-ESPOSA EM FACE DO EX-MARIDO, REFERENTE A FATOS OCORRIDOS DURANTE A ESTABILIDADE DO CONVÍVIO CONJUGAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. A ação de prestação de contas pode ser manejada pelo ex-casal, pelos atos de gestão e administração do patrimônio comum, em uma única hipótese excepcional que ocorre com a disposição dos bens móveis e imóveis durante o período compreendido entre a separação de fato e a partilha de bens da sociedade conjugal, sem a autorização do outro cônjuge. A alienação de bens comuns durante o convívio presume-se em benefício de ambos os cônjuges, não podendo ser o ex-marido compelido a demonstrar o retorno de parte da renda auferida com a venda para a esfera de disposição de sua ex-esposa, que se mostra arrependida após a efetivação do negócio jurídico perfeito e acabado" (Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Apelação Civel 453.189-7 - 0045318-45.1997.807.0000, relatora Nancy Andrighi, DJU 15.04.1998). Logo, na medida em que ambos os cônjuges passaram a ter iguais poderes na administração dos bens, o que adveio com a Constituição de 1.988, devendo manter uma cogestão do patrimônio, doutrina e jurisprudência inclinaram-se a admitir a prestação de contas entre cônjuges. E neste novo espectro nenhum ato de administração, e principalmente de disposição dos bens da massa conjugal, passa a ser praticado por um dos consortes sem a autorização do outro, cuja consulta propositadamente dispensada acarreta, ao contrário do passado, imediato direito à prestação de contas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário